terça-feira, 4 de novembro de 2008

Radioterapia em Hodgkin, uma questão polêmica

A radioterapia sempre constituiu o cerne do tratamento da Doença de Hodgkin (DH). Na década de 70, o esquema MOPP começou a ser muito utilizado na doença disseminada. Já na doença localizada, ele nunca foi muito aceito devido aos efeitos colaterais resultantes tais como esterelidade e leucemia secundária. Na década de 80, o esquema ABVD mostrou-se superior ao esquema MOPP ´não somente em eficácia, mas também em toxicidade pois a fertilidade é mantida e não há evidência dele ser leucemogênico.
Hoje, o esquema ABVD é universalmente aceito para o uso na doença avançada, em geral sem radioterapia (exceção feita a presença de massa mediastinal) por um total de 6 a 8 ciclos. No entanto, o ABVD tem um potencial de toxicidade cardíaco e pulmonar que pode superar 10% dos pacientes, principalmente se for usada radioterapia também.
Já na doença localizada, a polêmica continua pois é difícil mudar-se um tratamento que leva à cura de mais de 80% dos pacientes. Assim, o maior grupo cooperativo em estudo de doença de Hodgkin, o alemão, mantém a estratégia de minimizar tanto a quimioterapia quanto a radioterapia, sem no entanto abrir mão da última (a dose que em 1980 ficava em torno de 40Gy, já está em 20 Gy e o tamanho do campo irradiado vem diminuindo progressivamente).
Existem estudos randomizados em doentes com DH localizada onde a radioterapia foi omitida em um dos grupos, com resultados oposto:
No estudo EORTC H9 onde a quimioterapia foi o esquema EBVP, menos tóxico que o ABVD porém menos eficaz também, O braço que fazia apenas EBVP foi fechado por diminuição da taxa de remissão completa, permanecendo a comparação entre EBVP + 30 Gy de radioterapia e EBVP + 20 Gy de radioterapia. Outro estudo feito no Hospital Memorial Sloan Kettering (Strauss et al publicado na Blood), pacientes com DH estádios I, II e IIIa sem doença bulky foram randomizados para 6 ciclos de ABVD com ou sem radioterapia e não houve diferença estatisticamente significativa. Este estudo foi duramente criticado pelo tamanha amostral reduzido o que impediu a demonstração de diferenças menores do que 20% entres os grupo.

O melhor estudo para aqueles que não gostam de radioterapiafoi publicado por Meyer e cols (journal of clinical oncology 2005:21;4634) e é uma cooperação entre o NCIC e o ECOG. O critério de inclusão foi estádio IA, IB e IIA apenas. Não foram incluidos pacientes com "baixo risco" (estádio IA e predomínio linfocitário ou esclerose nodular E doença menor que 3 cm E doença apenas no pescoço ou epitroclear) e pacientes de "alto risco" (Bulk maior que 10 cm ou maior do que um terço do diâmetro torácico ou doença intra-abdominal).
O tratamento testado foi ABVD 2 ciclos seguido de reavaliação por tomografia. Se remissão completa, mais 2 ABVD (total 4). Nos demais casos, mais 4 ABVD (total 6).
O grupo controle foi tratado apenas com radioterapia (pacientes de bom prognóstico - idade < 40 E VHS <50 E histologia com predominio linfocitário ou esclerose nodular E menos de 4 sítios de doença) ou com 2 ABVD + radioterapia.
405 pacientes foram avaliados e a sobrevida livre de doença em 4.2 anos foi de 93% na terapia com RT e de 87% na terapia apenas com QT (p<0.006). Apesar disto, a sobrevida livre de eventos foi igual (88 vs 86%) e a sobrevida global também (94 vs 96%) porque os pacientes que recairam foram resgatados com transplante de medula.
Curiosamente, esta estratégia de quimioterapia anulou os efeitos adversos entre os grupos. Apenas 57 pacientes entre os 196 randomizados para quimioterapia apenas receberam 4 ciclos de ABVD e estes pacientes foram melhor do que aqueles que receberam 6 ciclos (sobrevida em 5 anos de 95% vs 81%, P=0.007) mostrando que remissão completa após 2 cilcos é um indicador de muito bom prognóstico.
Infelizmente, não foi feita esta análise nos pacientes que receberam radioterapia e, portanto não sabemos se a estratégia de radioterapia aumentaria esta sobrevida de 81%.
O resumo é: se você tem um paciente com pouca massa de doença e está disposto a fazer ABVD 6 ciclos como se fosse doença avançada (ou fazer 4 ciclos se a resposta for completa no segundo, uma minoria), você pode se basear no estudo canadense, sabendo que uma minoria vai recair e portanto você precisa de atenção redobrada.

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